TEXTOS
A criação de mundos
— Charlene Cabral
Como sobreviver ao mundo
— Fernanda Lopes
Questões do contemporâneo
— Alberto Saraiva
Prefácio - orun
— Raquel Valadares
Firmamentos: uma conversa
— Mari Fraga e Paula Scamparini
Paula Scamparini: em contínuo ponto cego e recomeço
— Clarissa Diniz
barco sobre lona
— Fernanda Lopes
Restauros, retornos e recomeços
— Maria de Fátima Lambert
oca-oxalá: made in Portugal
— Lourenço Egreja, Clarisse Meirelles
orun
— Heloísa Meireles Gesteira, Paula Scamparini
série palavras
— Fernanda Lopes
sobre carapuças e luz na obra de Paula Scamparini
— Sônia Salcedo del Castillo
as 23 noites
— Sônia Salcedo del Castillo
A ação em 5 partes, realizada em setembro e outubro/2016, respondeu ao convite à participação no Projeto A MESA, realizado periodicamente no Morro da Conceição, Rio de Janeiro.
O percurso propôs aos visitantes cinco ações: a primeira foi observar os mapas do céu daquela data, de hora a hora, demarcados em suas áreas clara (invisível a nós devido à poluição luminosa da cidade); em seguida enquanto ouve-se (através de rádios portáteis) a história do céu para a cultura Ioruba reinada por Tia Lúcia (personagem da cultura afro-brasileira no Rio de Janeiro, descendente de senegaleses), se sugere observar a zona portuária (zona da cidade polemicamente recém-reurbanizada para os jogos olímpicos) desde a praça-mirante onde se realiza A MESA.
Ao seguir o percurso (mapa-guia portátil) de 5 minutos pelas ruas do Morro da Conceição (primeiro local usado para observação de estrelas no país), depara-se com a projeção do documentário em vídeo realizado para esta ocasião,que mostra imagens do céu captadas via telescópio, entremeadas por cânticos Ioruba de Mãe Edelzuita (mãe de santo expressiva da cultura do candomblé no Rio de Janeiro), e outra história do céu por Tia Lúcia, agora reinada via Iorubá.
Segue-se a visita ao observatório para ver os astros pelo telescópio dos anos 60, no Observatório do Valongo, acompanhada pelo astrônomo Daniel Mello (a cada grupo novas conversas inenarráveis se alongam).
Ainda, no corredor de saída, disponibiliza-se um texto colaborativo (redigido a 4 mãos com a historiadora Heloísa Meireles), sobre o céu antigo como guia para rotas marítimas, e sobre o céu claro como patrimônio da humanidade, cujo enredo resgata a história do Morro da Conceição, que, próximo ao cais onde desembarcaram negros escravizados durante a colonização brasileira, recebeu como moradores parte da população de origem africana, e hoje é ainda representante da manutenção das tradições afro-brasileiras e da resistência desta população na cidade do Rio de Janeiro.
O percurso propôs aos visitantes cinco ações: a primeira foi observar os mapas do céu daquela data, de hora a hora, demarcados em suas áreas clara (invisível a nós devido à poluição luminosa da cidade); em seguida enquanto ouve-se (através de rádios portáteis) a história do céu para a cultura Ioruba reinada por Tia Lúcia (personagem da cultura afro-brasileira no Rio de Janeiro, descendente de senegaleses), se sugere observar a zona portuária (zona da cidade polemicamente recém-reurbanizada para os jogos olímpicos) desde a praça-mirante onde se realiza A MESA.
Ao seguir o percurso (mapa-guia portátil) de 5 minutos pelas ruas do Morro da Conceição (primeiro local usado para observação de estrelas no país), depara-se com a projeção do documentário em vídeo realizado para esta ocasião,que mostra imagens do céu captadas via telescópio, entremeadas por cânticos Ioruba de Mãe Edelzuita (mãe de santo expressiva da cultura do candomblé no Rio de Janeiro), e outra história do céu por Tia Lúcia, agora reinada via Iorubá.
Segue-se a visita ao observatório para ver os astros pelo telescópio dos anos 60, no Observatório do Valongo, acompanhada pelo astrônomo Daniel Mello (a cada grupo novas conversas inenarráveis se alongam).
Ainda, no corredor de saída, disponibiliza-se um texto colaborativo (redigido a 4 mãos com a historiadora Heloísa Meireles), sobre o céu antigo como guia para rotas marítimas, e sobre o céu claro como patrimônio da humanidade, cujo enredo resgata a história do Morro da Conceição, que, próximo ao cais onde desembarcaram negros escravizados durante a colonização brasileira, recebeu como moradores parte da população de origem africana, e hoje é ainda representante da manutenção das tradições afro-brasileiras e da resistência desta população na cidade do Rio de Janeiro.
Texto colaborativo . Heloisa Meireles Gesteira and Paula Scamparini
A noite, ou melhor, o céu do Rio de Janeiro, encontra-se em ruína. Não é mais possível, devido à poluição luminosa da atmosfera, contemplarmos a olho nu, a riqueza do céu noturno desta cidade, assim como de tantos outros lugares da Terra. Este fato mobilizou astrônomos e outros profissionais a falarem na importância de considerar o céu noturno um patrimônio da humanidade, especialmente em lugares ainda relativamente protegidos das luzes das cidades. Este não é o caso do Rio de Janeiro. Nosso céu não é patrimônio. Pode-se dizer que é, porém, produto da humanidade. Mas o que guarda o céu escuro? Há no céu, entre as culturas existentes na Terra e as que já existiram, um elemento de ligação: a capacidade de transformarmos os sinais do céu - estrelas, cometas, planetas, entre uma multiplicidade de fenômenos, inclusive a escuridão - em textos, interpretando e criando imagens e suas explicações. Destas explicações, algumas são consideradas mitológicas, outras, científicas. O que seduz na astronomia é a capacidade humana em lidar com um conhecimento que se sabe, de partida, jamais será alcançado plenamente. Sobretudo e mais determinantemente distante se torna essa possibilidade ao longo de uma vida humana. As dimensões astronômicas escalonam nossos corpos e nossas existências para fragmentos microscópicos diante do universo, nos reposicionam diante de nossas pretensões, mas não diante de nossos sonhos. Cultivamos a relação com o céu, desde o céu que adquire a certa altura teor romântico, ao céu desde sempre, aquele dos fenômenos naturais que aterrorizam povos. Se a ciência se dedica a compreender o funcionamento da natureza, pois esta nos acomete, além de não depender de nós, grande parte desta incomensurável coisa que nomeamos natureza se manifesta pelo ou em relação ao céu. Desde as temperaturas às tempestades e marés. E assim céu se torna também terra. Afinal, astros estamos apenas postos sob um astro, tal qual aqueles que observamos ao anoitecer, caso a clareza de nossas cidades nos permita. E as nuvens. As leituras do céu variam de acordo com as culturas, seja no tempo ou no espaço. Destacamos aqui, devido à história determinante da região do Valongo, onde agora nos localizamos, aquela que possibilitou aos homens transformarem o oceano atlântico em rotas, por onde, desde o século XV, percorreram embarcações em várias direções. Conhecer o céu, observar as estrelas, medir a altura dos astros por meio de instrumentos matemáticos, como o astrolábio, permitiu aos portugueses desembarcar nas terras que hoje formam o Brasil. Observando o céu, consultando tabelas e cartas de marear, desde então era possível se localizar em qualquer ponto da terra. Durante as travessias pelos oceanos, conhecer o céu, ou seja, identificar as estrelas, era importante, sobretudo quando uma embarcação situava-se no meio do mar, sem nenhum ponto fixo para auxiliar na orientação, exceto o céu pendente sobre as cabeças de marinheiros e tripulantes. De dia, o sol guia. À noite, algumas estrelas mais brilhantes tomam o lugar do sol. Caso as nuvens se interponham, porém, o barco resta à deriva. Há nuvens esta noite. Saberemos onde nos localizamos diante do universo? Funcionam nossas ferramentas? Através de quais ferramentas observamos céu hoje? Entre os primeiros registros sobre as terras tocadas pela esquadra de Cabral, há um esboço feito por Mestre João Faras do Cruzeiro do Sul: uma constelação "guia" dos navegantes europeus que ultrapassaram a linha do equador, navegando pelo hemisfério sul. Um trecho da carta enviada a D. Manuel I, rei de Portugal, a 1 de maio de 1500, de Vera Cruz, diz: “Somente mando a Vossa Alteza como estão situadas as estrelas do (sul), mas em que grau está cada uma não o pude saber, antes me parece ser impossível, no ar, tomar-se altura de nenhuma estrela, porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio balance, se erram quatro ou cinco graus, de modo que se não pode fazer, senão em terra. (...) E quase outro tanto digo das tábuas da Índia, que se não podem tomar com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se Vossa Alteza soubesse como desconcertavam todos nas polegadas, riria disto mais que do astrolábio; porque desde Lisboa até às Canárias desconcertavam uns dos outros em muitas polegadas, que uns diziam, mais que outros, três e quatro polegadas, e outro tanto desde as Canárias até às ilhas de Cabo Verde, e isto, tendo todos cuidados que o tomar fosse a uma mesma hora; de modo que mais julgavam quantas polegadas eram, pela quantidade do caminho que lhes parecia terem andado, que não o caminho pelas polegadas. Tornando, Senhor, ao propósito, estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam ao derredor sobre o horizonte, e ainda estou em dúvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o pólo antártico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes quase como as do Carro; e a estrela do pólo antártico, ou Sul, é pequena como a da Norte e muito clara, e a estrela que está em cima de toda a Cruz é muito pequena. Não quero alargar mais, para não importunar a Vossa Alteza, salvo que fico rogando a Nosso Senhor Jesus Cristo que a vida e estado de Vossa Alteza acrescente como Vossa Alteza deseja. Feita em Vera Cruz no primeiro de maio de 1500. Para o mar, melhor é dirigir-se pela altura do sol, que não por nenhuma estrela; e melhor com astrolábio, que não com quadrante nem com outro nenhum instrumento. Do criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor." (Portugal. Arquivo Nacional Torre do Tombo. Corpo Cronológico, Parte III, mç. 2, n.o 2). Do lado de cá, hoje, o desenho de tia Lucia conta em reinação a história do monstro Adamastor, que, em forma de pedra, naufragava navios portugueses, e que teria salvado muitos africanos da escravidão por abandonar em ilhas ainda não descobertas em meio ao oceano seus tripulantes do porão. Da África às Índias, contando com a sorte, outrora naufrágios teriam podido salvar destinos. Hoje, diante do céu claro do Rio de Janeiro, colocamo-nos em risco. Não sabemos de onde vimos e para onde caminhamos. Nossos guias podem colapsar a qualquer momento. E não saberemos como ler estrelas. E, ainda que saibamos, elas não necessariamente estarão visíveis. Resta cantarmos a tradição. Levantar ao céu as vozes.