TEXTOS


A criação de mundos
— Charlene Cabral

Como sobreviver ao mundo
— Fernanda Lopes

Questões do contemporâneo
— Alberto Saraiva

Prefácio - orun
— Raquel Valadares

Firmamentos: uma conversa
— Mari Fraga e Paula Scamparini

Paula Scamparini: em contínuo ponto cego e recomeço
— Clarissa Diniz

barco sobre lona 
— Fernanda Lopes

Restauros, retornos e recomeços
— Maria de Fátima Lambert

oca-oxalá: made in Portugal
— Lourenço Egreja, Clarisse Meirelles

orun
— Heloísa Meireles Gesteira, Paula Scamparini

série palavras
— Fernanda Lopes

sobre carapuças e luz na obra de Paula Scamparini
— Sônia Salcedo del Castillo

as 23 noites
— Sônia Salcedo del Castillo

Restauros, retornos e recomeços – iconografia crítica em Paula Scamparini.

Maria de Fátima Lambert
Julho, 2017


︎ projeto

...As imagens nos azulejos de Paula Scamparini procedem de várias fontes, como atrás se mencionou. Às ilustrações dos Manuais de História, usados ainda hoje nas Escolas brasileiras, acrescem as deturpações que proliferam nos meios de comunicação social, impressa ou audiovisual, redes sociais e webgráficas, assumindo contornos ingovernáveis. O exercício de direito de posse sobre as imagens transtorna quaisquer teorias e atuações anteriores à Internet. É o mito de posse, uma gula paradoxal, como referi em contextos de escrita análogos.

Por outro lado, os 3 + 1 vídeos que se mostram no Hall e na Sala da Quase Galeria, respetivamente Capitães do Mato, De repente, Rexisto e Reinação, todos de 2017. Os conteúdos videográficos remetem para depoimentos, intermediados ou diretos, realizados em contextos díspares e trabalhando cenários envolventes. As narrativas e relatos enredam-se entre o quotidiano real e histórico e as efabulações transpostas entre fronteiras, interseccionando mundos. Haverá que entrar nos sons, entendimentos e raciocínios acoplados às emoções, disponibilizando-se a entrar na pele do outro, não como estranho mas como amigo silencioso e ponderado, lembrando Maurice Blanchot (Pour l’Amitié, 1996).No Museu Nacional Soares dos Reis mostram-se três momentos da obra produzida por Paula Scamparini na sua residência artística no Porto. A sua lição de História, não procede de conhecimentos apreendidos numa viagem como estrangeira, lembrando por exemplo Maria Graham e os seus escritos em Viagem ao Brasil, nos inícios do séc. XIX e constatando as incongruências da sociedade brasileira de então.

1º momento: Sala onde reside a famosa pintura intitulada Mártir Cristão, do pintor Victoriano Braga, apresentam-se clichés onde se recolhem excertos de notícias escolhidas por Paula Scamparini, cumprindo o intuito declamatório sobre seus referentes. São matérias-primas de ideias e afirmações que servem propósitos estéticos e artísticos efetivamente interventivos.

2º momento: Sala de Marques de Oliveira onde a topo, Céfalo e Prócris dominam, vemos um tapete de azulejos remontados seguindo critérios categoriais, onde se destacam “figuras-problemáticas” (assim as denomina a artista), tais como: o Capitão do Mato, Amas-de-leite, Negras Livres, Carregadores, Indígenas, Missões Jesuítas – domínio cultural e religioso…

Trata-se se figurações desenvolvidas a partir de existências reais, com suas causas e consequências, num enredo aparentemente gerido entre o real e o imaginário, onde as doses de exotismo entram em rota de colisão com a lucidez desapaixonada do rigor ético da História em reapreciação e “descontaminação acrítica”, por assim dizer.

3º momento: Sala de bustos autoria de Francisco Franco, a artista brasileira expõem os livros, os Manuais de História abertos nas páginas, que exibem as ilustrações que transpôs para os Azulejos. Estão protegidos do tempo pela tampa de vidro que impede sejam folheados. As ilustrações estão congeladas nas suas páginas, impedidas duplamente perante o público que não as pode tocar. Como não se toca a história no seu amago, apenas se acredita estar a fazê-lo.

O tapete ou painel de azulejos é uma síntese, estendendo-se com espessuras, texturas e apagamentos que simulam, perante o olhar do visitante, uma topografia mobilizada, que oscila entre tempos e espaços, povoada de pessoas, todas elas, gerando movimentações intestinas na História e pela Arte.