TEXTOS


A criação de mundos
— Charlene Cabral

Como sobreviver ao mundo
— Fernanda Lopes

Questões do contemporâneo
— Alberto Saraiva

Prefácio - orun
— Raquel Valadares

Firmamentos: uma conversa
— Mari Fraga e Paula Scamparini

Paula Scamparini: em contínuo ponto cego e recomeço
— Clarissa Diniz

barco sobre lona 
— Fernanda Lopes

Restauros, retornos e recomeços
— Maria de Fátima Lambert

oca-oxalá: made in Portugal
— Lourenço Egreja, Clarisse Meirelles

orun
— Heloísa Meireles Gesteira, Paula Scamparini

série palavras
— Fernanda Lopes

sobre carapuças e luz na obra de Paula Scamparini
— Sônia Salcedo del Castillo

as 23 noites
— Sônia Salcedo del Castillo

série palavras

2012


︎ projeto

A série foto-instalativa Palavras (12 imagens) é realizada durante estadia em La Roche-en-Brenil, região central da França, num momento em que a crise econômica de 2012 atravessava e assustava a Europa.

La Roche, assim como muitas das vilas e pequenas cidades próximas a ela, é uma espécie de estação de veraneio para franceses, que deixam a cidade grande para um repouso em meio à natureza. É também morada fixa para poucos franceses que ali nasceram ou escolheram a vida simples do campo. Neste período casas em inúmeras vilas exibiam placas de vende-se, fixadas em paredes e portões sobre os quais o mato já avançava. A igreja, assim como as casas, permaneceu fechada por todo o período. O único negócio aberto constantemente era o café à beira da estrada, que atendia sobretudo caminhoneiros e viajantes.

As instalações de papel se dão a partir de anotações próprias, em português, e de falas dos poucos – e descrentes – habitantes locais com quem pude conversar neste período de pequenas viagens diárias de carro pela região. Formadas por fios de histórias, meus silêncios e suas falas se misturam aos cenários locais, numa espécie de busca por, ao popular cômodos, casas e caminhos, recriar a presença então vazia destes espaços que aguardavam serem habitados, talvez no próximo verão, talvez por novos visitantes ou moradores. Talvez estrangeiros falantes de outras línguas, como eu mesma.

Nas cidades ao redor, foi possível realizar instalações em um café, um igreja, uma residência-museu antes pertencente a um escritor francês, além do jardim e das árvores do Castelo onde acontecia a residência.



Fernanda Lopes
Maio, 2014


Chegou um momento em que a fotografia já parecia não fazer tanto sentido para Paula Scamparini. Cor, luz, enquadramento. Estava tudo ali, mas ainda sim parecia faltar algo naquele meio com o qual trabalhava desde 2002, sete anos antes, quando ainda estudante de arte. Talvez algo que povoasse aqueles lugares por onde a artista passava e que estavam congelados em suas imagens. Revirando seus guardados procurando nas suas próprias coisas outros caminhos, encontrou seus escritos. Escritos que sempre a acompanharam como parte do processo de construção e o imaginário dos trabalhos, mas que nunca foram vistos pela artista como uma obra em si.

O ponto de partida podia ser qualquer coisa que chamasse sua atenção, e que ia se desdobrando a partir de suas observações e associações, criando a partir de uma “tempestade de palavras”, como gosta de chamar, uma escrita fabular. As paisagens fictícias criadas em trabalhos anteriores como Sequências de nus (2006), onde linhas acidentais, como fios de cabelo no azulejo do banheiro, formavam horizontes e paisagens imaginárias, encontravam naquele momento eco e reverberavam nas linhas, agora no papel, que formavam palavras e a partir delas novas linhas-horizontes, para a produção.

O primeiro exercício de colocar as palavras no mundo foram leituras coletivas, realizadas entre 2010 e 2011. Textos escritos quando Paula se mudou para o Rio de Janeiro fazer mestrado, em 2004, foram impressos em folhas de papel e depois recortados em tiras, coladas uma depois da outra, tirando a leitura da folha de papel e levando-a para pequenos rolos, também chamados de tripas ou linhas pela artista. A leitura implicava no desenrolar dessa estrutura e depois de um tempo, passando por várias mãos, sob vários olhares, aquela linha de palavras percorria quase toda sala, e já não era mais possível saber onde aquela escrita começava. Redesenhando o espaço, esse processo também redesenhava a escrita.

As palavras, até então veículos para o pensamento, ganham presença física. Ainda presas às folhas, as tiras criam novos espaços e territórios, levantadas em alturas diferentes deram origem a Montanhas (2011) e Margens (2011); e cruzadas, como uma costura, em O castelo dos destinos cruzados (2011). Já em formato de rolos, as Penélopes se apropriam dos espaços existente, penduradas em paredes ou janelas, desenroladas sobre a mesa, ou em forma de ações em espaços abertos ou fechados.

Dentro desse processo, as experiências em residências artísticas assumem um importante papel: tirar a obra e o pensamento do conforto do espaço conhecido do ateliê em direção a uma paisagem desconhecida. Foi durante a residência no Instituto La CourDieu, no interior da França, que o interesse pela fotografia, em suspensão desde 2009 e a partir dai se apresentando como registro das ações e objetos feitos pela artista, voltou a se manifestar. Naquela paisagem europeia, inusitada, isolada, silenciosa muito distante da realidade tropical, Paula encontrou o lugar ideal para suas instalações fotográficas. Ali, sua escrita deixou de ser objeto para ser personagem, e o espaço deixou de ser real para se apresentar como cenários, lugares narrativos, fabulares, onde acontecem histórias que não existem, inventadas pela artista. Todos os livros que li, Arcadia, Les bibelots, Le curieux cabinet d’histoires: de jules a ma chere georges e Il castello dei destini incrociati (todas de 2012) são algumas delas. Ali, nas tiras de papel desenroladas, estão todas as palavras da artista. Mas ainda aqui não é possível ler, só imaginar."