TEXTOS
A criação de mundos
— Charlene Cabral
Como sobreviver ao mundo
— Fernanda Lopes
Questões do contemporâneo
— Alberto Saraiva
Prefácio - orun
— Raquel Valadares
Firmamentos: uma conversa
— Mari Fraga e Paula Scamparini
Paula Scamparini: em contínuo ponto cego e recomeço
— Clarissa Diniz
barco sobre lona
— Fernanda Lopes
Restauros, retornos e recomeços
— Maria de Fátima Lambert
oca-oxalá: made in Portugal
— Lourenço Egreja, Clarisse Meirelles
orun
— Heloísa Meireles Gesteira, Paula Scamparini
série palavras
— Fernanda Lopes
sobre carapuças e luz na obra de Paula Scamparini
— Sônia Salcedo del Castillo
as 23 noites
— Sônia Salcedo del Castillo
A série Le jeu (o jogo) expõe o processo que conduz o trabalho com papéis e palavras escritas iniciado em 2010, e antecipa a pesquisa atual dedicada à compreensão do embate entre a transmissão de cultura via oralidade (povos tradicionais) x a documentação de conhecimento sobre papel. (civilização). Discussão esta detonada pela observação histórica acerca das ferramentas de dominação cultural no Brasil e no mundo.
As escritas contidas nas peças acontecem ora como coleções de relatos (via captação em áudio), ora como escritos de interlocutores (doados colaborativamente), ora como escrituras próprias (elaboradas in loco), e, ainda, ora silêncios (papel preto), sempre determinados pela paisagem que se experimenta. A feitura dos papéis passa pelo processo de corte manual. É no enfrentamento em duração ditada pela artesania do corte do papel chinês, que a leitura dos trechos é desencadeada uma última vez, já fragmentada. Quando interrompida pelo corte, a escrita é devolvida ao interlocutor em peças delicadas e frágeis colocadas sobre a mesa, desprotegidas. Assim como nas tripas, os papéis agem no embate com o interlocutor. Nas peças escultóricas, o desconcerto é provado pelo olhar, que percebe a própria limitação, a falha entre o olho e o texto. A impossibilidade de transmitir/adquirir em exatidão o que quer que seja.
A ação (anterior) de dizer coisas (a oralidade) é, desde que colocada em papel (documentada), posta simultânea à negação de uma possível leitura em completude (pela ação interventiva sobre o possível documento) daquele que a acessa. O conteúdo se transmite em fragmentos e mantém lacunas a serem preenchidas pelo interlocutor, da mesma forma que acontece na oralidade.
As peças em papel parecem uma proposta sugerida pela impossibilidade de comunicação, se posta em escala inacessível em completude pelo homem, ainda que este se dedique à tentativa tão árdua quanto escusa de dominá-la. Hoje tais peças remetem também às dificuldades, diante do excesso, que vimos encontrando em comunicarmo-nos, e mesmo situarmo-nos, entre crenças, tradições e certezas.
As escritas contidas nas peças acontecem ora como coleções de relatos (via captação em áudio), ora como escritos de interlocutores (doados colaborativamente), ora como escrituras próprias (elaboradas in loco), e, ainda, ora silêncios (papel preto), sempre determinados pela paisagem que se experimenta. A feitura dos papéis passa pelo processo de corte manual. É no enfrentamento em duração ditada pela artesania do corte do papel chinês, que a leitura dos trechos é desencadeada uma última vez, já fragmentada. Quando interrompida pelo corte, a escrita é devolvida ao interlocutor em peças delicadas e frágeis colocadas sobre a mesa, desprotegidas. Assim como nas tripas, os papéis agem no embate com o interlocutor. Nas peças escultóricas, o desconcerto é provado pelo olhar, que percebe a própria limitação, a falha entre o olho e o texto. A impossibilidade de transmitir/adquirir em exatidão o que quer que seja.
A ação (anterior) de dizer coisas (a oralidade) é, desde que colocada em papel (documentada), posta simultânea à negação de uma possível leitura em completude (pela ação interventiva sobre o possível documento) daquele que a acessa. O conteúdo se transmite em fragmentos e mantém lacunas a serem preenchidas pelo interlocutor, da mesma forma que acontece na oralidade.
As peças em papel parecem uma proposta sugerida pela impossibilidade de comunicação, se posta em escala inacessível em completude pelo homem, ainda que este se dedique à tentativa tão árdua quanto escusa de dominá-la. Hoje tais peças remetem também às dificuldades, diante do excesso, que vimos encontrando em comunicarmo-nos, e mesmo situarmo-nos, entre crenças, tradições e certezas.
Bernardo Mosqueira
curadorA produção recente, pulsante, de Paula Scamparini caminha em paralelo à sua pesquisa teórica sobre a paisagem. Seu trabalho, aqui, faz parte da série “as 23 noites”, reverberação maior do período em que a artista viveu em residência em Portugal.
Lendo os recortes que formam o trabalho, percebe-se que configuram uma espécie de paisagem de gente, de momentos, impressões e reflexões. A estrutura formal fragmentada, fluida, frágil e tocante reflete a origem primeira e o processo deste trabalho. A folha de papel que é pele e é corda vocal é preenchida com desejo de outro e de elegibilidade. O quanto, em tudo que é linguagem, se perde no caminho? O maior interesse de Paula talvez seja o contato verdadeiro, as trocas intímas com o outro: como domínio e destino do trabalho, sendo estimulada e estimulando despertares.
Lendo os recortes que formam o trabalho, percebe-se que configuram uma espécie de paisagem de gente, de momentos, impressões e reflexões. A estrutura formal fragmentada, fluida, frágil e tocante reflete a origem primeira e o processo deste trabalho. A folha de papel que é pele e é corda vocal é preenchida com desejo de outro e de elegibilidade. O quanto, em tudo que é linguagem, se perde no caminho? O maior interesse de Paula talvez seja o contato verdadeiro, as trocas intímas com o outro: como domínio e destino do trabalho, sendo estimulada e estimulando despertares.