© 2019 Paula Scamparini

Paula Scamparini - Clube de Colecionadores 7 from mamrio on Vimeo.



carregadoras

Rio de Janeiro, Brasil.



Carregadoras (P.S. 01), 2019 / Série: Carregadoras / Dimensão: 86x130 cm / Impressão em pigmento mineral sobre papel Hahnemühle Photo Rag 308gsm. Tiragem: 2/5 + PA




Carregadoras (P.S. 02), 2019 / Série: Carregadoras / Dimensão: 86x130 cm / Impressão em pigmento mineral sobre papel Hahnemühle Photo Rag 308gsm. Tiragem: 5 + PA





vista da exposição . foto Maria Navarro


orun

exposição no Oi Futuro Flamengo . Rio de Janeiro, Brasil.

Céu e terra formam um sistema aonde um ir e vir se realiza. Tanto nos aspectos mitológicos quanto nos científicos, o céu e a terra estão interligados como um corpo em funcionamento e formam o espaço onde habitamos: coletivo e cósmico.

Não sabemos exatamente onde começa e onde termina, mas talvez o céu comece em nós mesmos, quando o introjetamos e formamos uma noção dele. Afora isso, as montanhas podem ser um marco onde o céu negocia com a terra a sua existência sagrada, e talvez por isso, seja tão importante nas mitologias gerais da humanidade, porque seus picos alcançam as nuvens, como pontos de conexão entre o céu e a terra, onde essa união do duplo se materializa; é assim com
o Olimpo, onde vivem os deuses gregos e Zeus, como raio que comanda os céus; e com os Himalaias, onde o deus Shiva sorri, sentado em postura de lótus, em seu aspecto de iogue, conhecido como Digâmbara, ou vestido de céu, enquanto a deusa Ganga desce das nuvens e se infiltra em seus cabelos, escorrendo até a terra na forma do rio Ganges.

Mais do que o impressionante céu científico no qual o Hubble se perde, o céu que construímos culturalmente, por sua vez, é algo que se aprofunda em nós, é para dentro. Os limites do céu que têm o sentido do sagrado são muito distintos do céu científico, que se desenvolve em camadas da atmosfera, a dizer, a troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera e exosfera, que são níveis de elementos químicos de diferentes densidades e chegam a alcançar mil km na direção do espaço sideral. No entanto, o céu que nos acolhe é muito mais aquele de ordem divina; e cada cultura traduziu seus mistérios de diferentes formas.

A videoinstalação de Paula Scamparini nos fala sobre esse pertencimento cultural do brasileiro que compõe nosso universo estelar, onde olhar para o céu é algo mágico, que nos envolve na dinâmica de ser, de nos localizarmos, não apenas física, mas espiritualmente, porque o céu é algo precioso que nos insere na dimensão do sublime. O céu nos afeta desde sempre e sua tradução pelos povos mais diferentes do Brasil forma um legado mitológico, espiritual e científico, que hoje é tratado como acervo fundamental na construção de sentidos.


curadoria
Alberto Saraiva













vista da exposição . foto Maria Navarro


colaboradores
curadoria
Alberto Saraiva

produção
ÁREA27
Tamanduá

direção de produção e gestão de projeto
Rodrigo Andrade
Stefania Paiva

coordenação de produção audiovisual
Raquel Valadares

pesquisa de conteúdo
Paula Scamparini
Paulo Rosa
Virgínia Gandres

videomaker
Ahmad Jarrah
Bruna Obadowski
Helena Bielinski
Paula Scamparini
Raquel Valadares

edição de vídeo
Henrique Cartaxo
Maria Altberg
Pedro Thomé

tratamento sonoro
Alexandre Brasil

finalização de vídeo
Raquel Valadares

execução e montagem
Nova Mídia

cenotecnia
Thiago Barboteo

identidade visual
Luana Luna e Lucyano Palheta
[AOQUADRADO]

assessoria de imprensa
Frase Comunicação

sinalização
Ginga Design

revisão de textos e versão para o Inglês
Marcio Pinheiro
agradecimentos
Aldeia Ipatse Kuikuro | Território Indígena do Xingu - MT;
Aldeia Meruri Boe Bororo | General Carneiro - MT; Aldeia Multiétnica | Chapada dos Veadeiros - GO; Aldeia Piulaka Waurá | Território Indígena do Xingu - MT; Aldeia Wederã Xavante | Território Indígena Pimentel Barbosa - MT; Aldeia Xavante Etenhiritipa | Território Indígena Pimentel Barbosa- MT; Aldeia Yawalapiti | Território Indígena do Xingu - MT; Associação Indígena Aldeia Maracanã - RJ; Associação Yamurikumã das Mulheres Xinguanas; Casa Ilê Axé Omin | Cachoeiras de Macacu - RJ; Comuna Intergalactica I e II; Comunidade Quilombola Carcará | Potengi - MT; Comunidade Quilombola Chico Gomes | Crato - CE; Comunidade Quilombola Mata-Cavalo | Cuiabá - MT; Comunidade Quilombola Nossa do Senhora do Livramento | Poconé - MT; Comunidade Quilombola Sítio Kalunga | Cavalcante - GO; Comunidade Quilombola Sítio Sassaré | Crato - CE; Comunidades Quilombolas de Vila Bela de Santíssima Trindade  - MT; Conselho pela Igualdade Racial  - Governo Federal do Mato Grosso; Conselho pela Igualdade Racial - Governo Federal do Mato Grosso. Contato; Escola de Artes Visuais Parque Lage - RJ; Escola de Belas Artes - Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fundação Nacional do Índio | FUNAI - Coordenação Técnica Local Canarana; Grupo de Consciência Negra do Ceará; GAE - Grupo de Pesquisa Arte Ecologias; Hiperorgânicos | Núcleo de Arte e Novos Organismos - Rio de Janeiro; Ilê Axé Omin; Instituto de Geociências | Universidade Federal do Rio de Janeiro; Instituto Federal do Amazonas | São Gabriel da Cachoeira;  Museu de Astronomia Rio de Janeiro; Observatorio de Favelas | Rio de Janeiro; Observatório do Valongo | Rio de Janeiro

Alessandra Gonçalves Freitas; Alexandre Lemos; Amarildo Terena; Amarildo Tukano; Ana Ferrareze; Beto Nascimento; Ubirajara Z. de Carvalho; Carlos Doethiro Tukano; Carlos Hiroshi Horoiwa; Cícera Nunes; Cipassé Xavante; Clarissa Campello; Claudete da Silva Barbosa Truká; Collor Talatalakumã Yawalapiti; Daniel Berlinski; Daniel Mello; Danielle Nazareno;  Dayene Daysse da Silva Dias Kalapalo; Dominique Aguiar; Dora Lopes; Eduardo Hunter Moura; Elias Brasilino de Souza; Elisandra Botelho da Silva; Elson Rabelo; Fabiane Borges; Felipe Albues Martins;  Fernanda Abreu;
Glória Albues; Helio Jaques Rocha Pinto; Heloisa Gesteira; Ianaculá Rodarte; Igor Souza; Índia Baré; Ismar Carvalho; Jessica Kloosterman; João Batista da Silva Lima; João Fortes; Joel Pizzini; Jorge Barbosa; José Castilho; Juliano Basso; Jurandir Siridiwê Xavante; Kumaré Txicão; Lara Carmo; Larissa Duarte Tukano; Laura Kuikuro; Leonardo Carneiro; Luclécia Cristina Morais da Silva; Makaulaka Mehinaku; Mamed Caki; Manoel Francisco da Silva Junior; Maria das Dores Ramos; Maria Lúcia da Silva;  Mariana Moura; Mateus Aleluia; Maykson Sousa; Monna Carneiro; Nalu Mendes; Padre Andelson Dias de Oliveira; Rafael Fulni-ô Marques; Raoni Kamaiurá; Raquel Valadares; Raquel Versieux; Renato Sanchez; Ricardo Alves; Roberta Enir Faria Neves de Lima; Rútila Silva; Sandra Regina N. Sarduy; Silviane Ramos Lopes da Silva; Sinvaline Pinheiro; Valéria Gersina das Neves Carvalho; Vitor Peruare; Ypisilon Rodrigues Felix; Zé Guilherme; Mayana Redin; Raphael Fonseca

Agradecimentos especiais pelos relatos
Adriano Amorim; Afonso Apurinã; Ailton KRENAK; Akuá Afia Kuikuro; Aline Maia Nascimento; Alissan Maria da Silva; Alzira Kalunga; Antonio Bispo dos Santos; Antonio Luis de Souza; Aritana Yawalapiti; Arnaldo dos Santos Rosa; Astrogilda Leite França; Augusto da Nóbrega; Byakadjeiti Kayapó; Carlos Augusto Tavares Bittencourt; Carlos Doethiro Tukano; Carlos Eduardo Gomes Viana; Carlos Fernando de M. Delphim; Denise Alves Rodrigues de Oliveira; Diomar Freitas Dantas; Djoan Cy de Souza; Elisa Alvarenga Peixoto; Elsion Parinê’êdi Xavante; Eneldino Cugoxereu; Erick Felinto; Fabiana Pereira Barbosa; Fabiane Borges; Fabiane Morais Borges; Fabio Bvb Torres; Fernando Nascimento da Silva; Floriana Oanesi Breyer; Francisca de Lourdes Magalhães Felix; Francisco Aécio Gonçalves Diniz; Francisco Idalécio de Freitas; Francisco Ronaldo Rodrigues de Lima; Francisco Valdean Alves dos Santos; Geraldo Moreira; Getúlio Orlando Pinto Krahô; Gustavo Frederico Porto de Mello; Gustavo Melo; Gustavo Scuracchic Rossi; Heleno Pereira da Silva; Hélio Jaques Rocha Pinto; Hélio Jorge Pereira de Carvalho; Heloísa Gesteira; Henrique Gabriel Leite; Inácio Candido Iumixa; India Kuikueiramanha Neves; Irene Pires de Lima; Isidoro Xavante; Ivanice Pires Tanoné; Jaqueline Romkwyj Kraho; Jawakapiru Kamayurá; Jessica Kloosterman; Jessica Santos Macedo; João B. S. Valença; João do Crato; João Felix dos Santos; José Cambará Neto; José Lourenço Gonzaga; Justina Ferreira da Silva; Kaiulú Yawalapiti; Kalupuku Kalueuku Waurá; Kami Katy Kamaiurá; Keila Costa; Kleber Rodrigues Meritotoru; Kokaro Suya Trumai; Kokojagomi Kayapó; Kuiahi Marina Nafukua; Laura Cardoso Fraga;
Laurinda Cibae Etaro; Lenildo M. Pires; Lindaura Crespo Supepi; Lucas da Silva Minervino; Lucinda Leite da Costa; Lúcio Flávio Teles de Jesus; Luzenira Tapirapé; Manoel Francisco da Silva Junior; Maria Angela Okoge Ekureudo; Maria das Dores Ramos Lopes da Silva; Maria das Graças de Souza Ferreira;
Maria Iuracoi dos Santos Silva; Maria Lucia da Silva; Maria Renata de Jesus; Mariana Fraga; Matheus Felipe Xavier de Oliveira; Matheus de Oliveira E Gama; Matheus Pereira Andrade da Cruz; Míriam Aparecida França; Moisés da Silva Piyako; Nazaré Rewaiô Xavante; Nua Del Fiol; Odilio Peliá Krahô; Osmar Pereira Krahô; Osvaldo Leite Guimarães Filho; Otávio Augusto Trivério Dias; Otavio Pereira da Cunha; Parawairu Kamaiurá; Patrícia Flores; Patricia Nonata Jerigiaredo; Paulinho Paiakan; Paulo Cipassé Xavante; Paulo Eduardo Gomes Freitas; Pedro Diaz; Pitter Gabriel Maciel Rocha; Raquel Valadares de Campos; Roberto Totot Krahô; Rosa Ortiz Cambará; Rosária Leite da Costa; Rosilene Bakure Kajejeudo; Rundhsten V. de Nader; Silvia Lorenz Martins; Silviane Ramos Lopes da Silva; Sonia Barbosa de Souza; Sula F Akuku Kamaiurá; Tapaie Wari Yawalapiti; Thelma Araujo Coutinho; Thiago Signorini Gonçalves; Ticiano Lima de Souza Santos; Towê Fulni-o Veríssimo; Tseredadze Xavante; Tuire Kayapó; Ubirajara Z. de Carvalho; Valdecir Campos Ramos; Valéria Gersina das Neves Carvalho; Vanda Copacabana Vila Boas; Wagner Roveder; William Kamayurá; Yanahin Matala Waurá; Yapatsatama Waurá; Yrary Bjakray Kaiopó; Sonia Aparecida Silva João Pedro da Silva; Antonieta Luisa Costa; Francileia Paula de Castro; Jusiane Luiza de Lima; Jociane Catarina Maciel de Souza; Rosangela Maria de Jesus; Aiupu Kamayura Amary




in the south, turtels do not age

instalação na MAG3 . Vienna, Austria























vista da instalação


barco sobre lona

exposição realizada na Aura Galeria . São Paulo, Brasil

O navio começando a afundar depois de ser bombardeado. A ventania, que dá ainda mais dramaticidade à cena, é tanta que um dos operadores de câmera tem dificuldade de segurar o equipamento. O caos da tragédia que até então mobilizava nossa atenção e nossas emoções sofrem um corte conforme o enquadramento da imagem vai se ampliando, ampliando a ponto de relevar sua estrutura...

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curadoria
fernanda lopes

fotografia
letícia ranzani

mais
https://www.aura.art.br/exposicoes/barco-sobre-lona



busto . escultura . isopor . 2018



ninho . escultura . cimento . 2018



estandarte (detalhe) . escultura . tecido, linha, cordas . 2018





vistas da exposição . séries Verboten e Woods



restauros

exposição realizada simultaneamente no Museu Nacional Soares dos Reis e no Espaço T . Quase Galeria . Porto, Portugal

...As imagens nos azulejos de Paula Scamparini procedem de várias fontes, como atrás se mencionou. Às ilustrações dos Manuais de História, usados ainda hoje nas Escolas brasileiras, acrescem as deturpações que proliferam nos meios de comunicação social, impressa ou audiovisual, redes sociais e webgráficas, assumindo contornos ingovernáveis... 

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curadoria
Maria de Fátima Lambert



















vistas da exposiçao no Museu Nacional Soares dos Reis









vistas da exposiçao no Espaço T . Quase Galeria


colaboradores
curadoria e direção artística
Maria de Fátima Lambert

participações
Ana Hupe
Carlos Doethiro Tukano
Clarissa Meireles
Eduardo Viveiros de Castro
Gilvan Samico
Mafalda Rosário
Melina Akerman
Miguel Bezerra
Raquel Valadares
Tia Lúcia

colaborações
Melina Akerman; Raquel Valadares; Roberto Muffoletto; Tatiana Vidal; Washington da Silva; Beatriz Corvelo; Carlos Reis; Joana Santarém; Mariana Lourenço.
agradecimentos
Ana Hupe; Ana Pinto Basto; Beatriz Corvelo; Camila Felicitas; Carlos Doethiro Tukano; Carlos França; Carlos Reis; Cecília Cipriano; Clara Clarice; Grupo Om; Clarissa Meireles; David; Eduardo Viveiros de Castro; Efrain Almeida; Fátima Lambert; Gilvan Samico; Hugo Andrade; Jaime Guimarães; Joana Santarém; Jorge Coutinho; Júlia Scamparini; Leonel Morais; Lourenço Egreja; Mafalda Rosário; Mamed Caki; Marcelo Samico; Maria João Vasconcelos; Mariana Lourenço; Melina Akerman; Merced Guimarães; Miguel Bezerra; Nilva Helena Scamparini; Paula Lobo; Raquel Valadares; Renan Mendes;Roberto Muffoletto; Tatiana Vidal; Tia Lúcia; Washington da Silva; Zé Mário Brandão.

instituições parceiras
Árvore Cooperativa Artística - Porto; Carpe Diem Arte e Pesquisa - Lisboa; EAV Parque Lage - Rio de Janeiro; Escola de Belas Artes UFRJ - Rio de Janeiro; Escola Municipal Desembargador Oscar Tenório - Rio de Janeiro; Escola Municipal Camilo Castelo Branco - Rio de Janeiro; Escola Municipal Capistrano de Abreu - Rio de Janeiro; Escola Superior de Educação Politécnico do Porto - Porto; Instituto Pretos Novos – Rio de Janeiro; Museu Nacional Soares dos Reis - Porto; Oficinas do Convento - Montemor-o-Novo; Real Gabinete Português de Leitura - Rio de Janeiro

barco sobre lona

Fernanda Lopes
Maio, 2018


︎ projeto

O navio começando a afundar depois de ser bombardeado. A ventania, que dá ainda mais dramaticidade à cena, é tanta que um dos operadores de câmera tem dificuldade de segurar o equipamento. O caos da tragédia que até então mobilizava nossa atenção e nossas emoções sofrem um corte conforme o enquadramento da imagem vai se ampliando, ampliando a ponto de relevar sua estrutura. Vemos os andaimes, uma grua, equipamentos de luz e som, parte da grande equipe de filmagem, ventiladores e até o sistema mecânico desenvolvido especialmente para reproduzir o balanço do mar, feito de plástico, durante as gravações em um estúdio. De volta à cena, vemos dois dos sobreviventes: em um pequeno barco está Orlando e um rinoceronte. "Como pode um bicho desse tamanho dentro de uma embarcação tão pequena?".

Não é à toa que Paula Scamparini considera a cena final de E la nave va (1983) de Frederico Fellini como uma das mais fortes imagens da história do cinema. Desde o início da sua produção, há quase 15 anos, a artista vem apresentando e ressignificando seu interesse pela ideia de construção – que, no caso dela, implica obrigatoriamente em um processo que considera também as possibilidades de desconstrução e a reconstrução. Seus trabalhos, desde as primeiras fotografias até as práticas mais recentes de ações, parcerias e residências artísticas, são como desafios para olhar, ler, ouvir, perceber. Desafios colocados primeiramente para ela mesma e depois estendidos para o público e também para o sistema de arte. A partir de deslocamentos – que podem ser sutis ou intensos, conceituais ou literais – a artista propõe para si e para o outro a possibilidade de reinvenção da percepção do mundo a partir do tensionamento entre realidade e ficção (ou encenação), natural e artificial.

Em Barco sobre lona as séries fotográficas realizadas entre 2014 e 2015 propõe a construção cênica como estratégia para colocar em dúvida a ideia que temos de realidade. Nos vemos ali, em frente ao que parecem ser registros fotográficos, ou seja, o congelamento de um instante que já passou, mas não conseguimos ter certeza se o que estamos vendo é real ou ficção. Essas fotografias se interessam justamente pelo deslocamento e o desconforto desse espaço entre. Sua pesquisa mais recente renova e amplia seu olhar (e o nosso) para essas questões. Um colchão e pedaços de fantasias e adereços usados por escolas de samba, doados para a artista depois dos desfiles deste ano, são ao mesmo tempo material e personagem. Isopor, plumas e paetês, imprescindíveis para a materialização de reis, rainhas e mundos distantes, ou formas tão corriqueiras, agora nos chamam a atenção por sua dimensão desproporcional, deslocada, ilusória e fantasiosa, criando ruídos formais e conceituais no ambiente de uma galeria.

Paula Scamparini reforça nessa exposição o território da sua produção como o lugar da dúvida, e a dúvida como potência. Aqui, o que vemos são trabalhos que nos fazem pensar sobre construção da imagem, mas também a imagem como construção. A construção da história, e a história como construção. A construção da arte, e a arte como construção.

Restauros, retornos e recomeços – iconografia crítica em Paula Scamparini.

Maria de Fátima Lambert
Julho, 2017


︎ projeto

...As imagens nos azulejos de Paula Scamparini procedem de várias fontes, como atrás se mencionou. Às ilustrações dos Manuais de História, usados ainda hoje nas Escolas brasileiras, acrescem as deturpações que proliferam nos meios de comunicação social, impressa ou audiovisual, redes sociais e webgráficas, assumindo contornos ingovernáveis. O exercício de direito de posse sobre as imagens transtorna quaisquer teorias e atuações anteriores à Internet. É o mito de posse, uma gula paradoxal, como referi em contextos de escrita análogos.

Por outro lado, os 3 + 1 vídeos que se mostram no Hall e na Sala da Quase Galeria, respetivamente Capitães do Mato, De repente, Rexisto e Reinação, todos de 2017. Os conteúdos videográficos remetem para depoimentos, intermediados ou diretos, realizados em contextos díspares e trabalhando cenários envolventes. As narrativas e relatos enredam-se entre o quotidiano real e histórico e as efabulações transpostas entre fronteiras, interseccionando mundos. Haverá que entrar nos sons, entendimentos e raciocínios acoplados às emoções, disponibilizando-se a entrar na pele do outro, não como estranho mas como amigo silencioso e ponderado, lembrando Maurice Blanchot (Pour l’Amitié, 1996).No Museu Nacional Soares dos Reis mostram-se três momentos da obra produzida por Paula Scamparini na sua residência artística no Porto. A sua lição de História, não procede de conhecimentos apreendidos numa viagem como estrangeira, lembrando por exemplo Maria Graham e os seus escritos em Viagem ao Brasil, nos inícios do séc. XIX e constatando as incongruências da sociedade brasileira de então.

1º momento: Sala onde reside a famosa pintura intitulada Mártir Cristão, do pintor Victoriano Braga, apresentam-se clichés onde se recolhem excertos de notícias escolhidas por Paula Scamparini, cumprindo o intuito declamatório sobre seus referentes. São matérias-primas de ideias e afirmações que servem propósitos estéticos e artísticos efetivamente interventivos.

2º momento: Sala de Marques de Oliveira onde a topo, Céfalo e Prócris dominam, vemos um tapete de azulejos remontados seguindo critérios categoriais, onde se destacam “figuras-problemáticas” (assim as denomina a artista), tais como: o Capitão do Mato, Amas-de-leite, Negras Livres, Carregadores, Indígenas, Missões Jesuítas – domínio cultural e religioso…

Trata-se se figurações desenvolvidas a partir de existências reais, com suas causas e consequências, num enredo aparentemente gerido entre o real e o imaginário, onde as doses de exotismo entram em rota de colisão com a lucidez desapaixonada do rigor ético da História em reapreciação e “descontaminação acrítica”, por assim dizer.

3º momento: Sala de bustos autoria de Francisco Franco, a artista brasileira expõem os livros, os Manuais de História abertos nas páginas, que exibem as ilustrações que transpôs para os Azulejos. Estão protegidos do tempo pela tampa de vidro que impede sejam folheados. As ilustrações estão congeladas nas suas páginas, impedidas duplamente perante o público que não as pode tocar. Como não se toca a história no seu amago, apenas se acredita estar a fazê-lo.

O tapete ou painel de azulejos é uma síntese, estendendo-se com espessuras, texturas e apagamentos que simulam, perante o olhar do visitante, uma topografia mobilizada, que oscila entre tempos e espaços, povoada de pessoas, todas elas, gerando movimentações intestinas na História e pela Arte.

oca-oxalá:
made in portugal

Lourenço Egreja
Setembro, 2015


︎ projeto

Paula Scamparini desenvolveu no Carpe Diem uma obra para a sala azul do Palácio Pombal. A obra em formato instalação consiste numa pesquisa centrada nos reflexos da colonização na sociedade contemporânea brasileira a partir de livros escolares actuais no Brasil. A obra tem dois momentos. O momento visual onde podemos observar as imagens retiradas dos livros sobre azulejos chacota e dispostas no espaço, agrupada em temas como navegações, escravidão, missões jesuítas, escravização, quotidiano colonial, mapas, retratos, resistência negra e indígena. Há ainda o momento sonoro, no qual um índio narra em 2015 a história de sua terra como seria contada às crianças. A parte sonora é acompanhada pelo texto de Clarisse Meireles que contextualiza a história contada.

Ainda, os livros escolares de onde foram retiradas as imagens estão disponíveis para consulta na biblioteca do Carpe Diem.

Complementam e atualizam a obra a revista Le Monde Diplomatique Brasil de agosto de 2015, que discute a questao de classes no Brasil atual, e o jornal Extra de 8 de julho de 2015, que expõe um episodio de violência pública nas ruas do Brasil.



Clarisse Meirelles
Setembro, 2015


Clarisse Meireles (colaboradora do projeto-instalação “Oca-Oxalá – made in Portugal” de Paula Scamparini) é jornalista e coautora do livro “Um homem torturado, nos passos de Frei Tito de Alencar”, lançado em 2014 pela Ed. Civilização Brasileira. Edita, com Juliano Borges, o site O Canibal. Trabalhou durante dez anos em redações de grandes veículos no Rio de Janeiro, entre eles Revista Istoé, O Globo e Jornal do Brasil. Em 2012, coordenou o setor de comunicação da ONG Fundação Amazonas Sustentável, em Manaus, voltada para a conservação da floresta amazônica. Colaborou, como pesquisadora e redatora, ao Relatório da Comissão Nacional da Verdade. É mestre em Mediação de conhecimentos ambientais, pela Universidade de Versailles, França.
"Minha pátria é a língua portuguesa”, afirmou Fernando Pessoa. A pátria de Carlos Doetyro Tukano, cuja voz ouvimos aqui, é, portanto, a língua Tukano – nome igualmente de sua etnia.

Provavelmente, esta língua-pátria terá sido escutada pela maior parte dos visitantes pela primeira vez. E talvez só não venha a ser a última graças a gravações como esta, que podem tornar imortais vozes, línguas e histórias.

Imortais sim. Vivas, não necessariamente. No Brasil existem pouco menos de um milhão de índios, pertencentes a 243 povos e falando 150 línguas diferentes. Hoje quase um terço desta população indígena vive em centros urbanos. E as cidades, como definiu o pesquisador José Ribamar Bessa Freire, são cemitérios de línguas indígenas.

É preciso lembrar que, para povos de tradição oral, sem sistema de escrita, a perda da língua equivale à perda da própria memória dos povos. A língua é a força que atravessa o tempo transmitindo o conjunto de crenças e valores de cada povo, de geração em geração, relatando mitos fundadores e atribuindo significados – e onde pouco importam datas precisas ou feitos individuais, como consta na História do “homem branco”.

Carlos conta que os Tukano são uma das 27 etnias que, há séculos, povoam a bacia do Alto Rio Negro, extremo noroeste do Brasil, no estado do Amazonas, quase fronteira com a Colômbia – a nação Tukano, aliás, foi cindida em duas com o estabelecimento das fronteiras: os do lado brasileiro são tukanos orientais, os colombianos, ocidentais.

A região, de difícil acesso, passa a interessar mais à colonização portuguesa a partir da primeira metade do século XVIII, quando os colonizadores começam a subir a floresta em busca de mão de obra escrava. O contato com o homem branco se acelera a partir do fim do século XIX, com a chegada de missionários franciscanos. Estes combatiam as atividades dos pajés (líderes espirituais), desrespeitavam e ridicularizavam as tradições. Como eram poucos, foram facilmente expulsos pelos índios.

Porém, a partir dos anos 1920, os Salesianos ali se estabeleceram e permaneceram por décadas, cumprindo uma espécie de missão jesuítica renovada, a quase meio século do “descobrimento” do Brasil pelos portugueses. Os salesianos atravessaram diferentes governos, que financiavam a construção de escolas, incentivando um ambicioso projeto “civilizador”. Missionários italianos, alemães, espanhóis e ucranianos rezavam missas em latim e desprezavam e reprimiam os costumes, o sistema de crenças e as línguas locais.

É em 1971 que Carlos Tukano vai para a escola dos Salesianos, no vilarejo de Pari-cachoeira. Tinha 11 anos. Aprendeu a ler e escrever a língua portuguesa. E descobriu o que era índio. “Nunca sairá da minha cabeça a imagem da Primeira missa no Brasil (tela de Victor Meirelles): os índios nas árvores e ao redor de Pedro Alvares Cabral e outros portugueses. Até então, eu não sabia que era índio. Era Tukano”.

Como todos os meninos e meninas, Carlos Tukano passou a usar roupas, aprendeu a ter vergonha de andar nu e a sentir culpa de participar dos rituais de seu povo: “coisa do diabo” – a quem foi, também, apresentado na escola.

Para além dos castigos físicos, o ambiente era de extrema violência simbólica. Como só era permitido falar português, as crianças recém-chegadas tinham que ficar caladas. A escola devia apagar aquelas línguas consideradas bárbaras. A cada volta para casa, nas férias, a comunicação se quebrava: as crianças não queriam mais falar a língua materna e os pais não entendiam o português. Carlos Tukano recorda achar estranhos os costumes dos pais: comer no chão, andar nu, não haver banheiro.

Em 1979, felizmente, a crise do petróleo estanca as verbas governamentais brasileiras, e os Salesianos começam a desativar os internatos. No ano seguinte, a Congregação é denunciada pelo crime de etnocídio no Tribunal Russell, reunido em Amsterdã. Hoje, as escolas em terras indígenas no Brasil são bilíngues.

Carlos Tukano, que vive no Rio de Janeiro desde 1997, é casado e pai de duas filhas, e é líder da Associação (política) Indígena Aldeia Maracanã, diz saber rezar uma missa em latim “di cuore”, e se ressente por pertencer à última geração que teve a intromissão da religiosidade e cultura branca após ainda alguns anos vivendo em isolamento na aldeia. Pode-se dizer que o que os portugueses nomearam índio seja hoje de um conceito ultrapassado, morto aos poucos pela cultura dominante. Hoje, parece-nos, culturas estas parece-nos, em plena fragilidade histórica.

orun

Setembro, 2016


︎ projeto

A ação em 5 partes, realizada em setembro e outubro/2016, respondeu ao convite à participação no Projeto A MESA, realizado periodicamente no Morro da Conceição, Rio de Janeiro.

O percurso propôs aos visitantes cinco ações: a primeira foi observar os mapas do céu daquela data, de hora a hora, demarcados em suas áreas clara (invisível a nós devido à poluição luminosa da cidade); em seguida enquanto ouve-se (através de rádios portáteis) a história do céu para a cultura Ioruba reinada por Tia Lúcia (personagem da cultura afro-brasileira no Rio de Janeiro, descendente de senegaleses), se sugere observar a zona portuária (zona da cidade polemicamente recém-reurbanizada para os jogos olímpicos) desde a praça-mirante onde se realiza A MESA.

Ao seguir o percurso (mapa-guia portátil) de 5 minutos pelas ruas do Morro da Conceição (primeiro local usado para observação de estrelas no país), depara-se com a projeção do documentário em vídeo realizado para esta ocasião,que mostra imagens do céu captadas via telescópio, entremeadas por cânticos Ioruba de Mãe Edelzuita (mãe de santo expressiva da cultura do candomblé no Rio de Janeiro), e outra história do céu por Tia Lúcia, agora reinada via Iorubá.

Segue-se a visita ao observatório para ver os astros pelo telescópio dos anos 60, no Observatório do Valongo, acompanhada pelo astrônomo Daniel Mello (a cada grupo novas conversas inenarráveis se alongam).

Ainda, no corredor de saída, disponibiliza-se um texto colaborativo (redigido a 4 mãos com a historiadora Heloísa Meireles), sobre o céu antigo como guia para rotas marítimas, e sobre o céu claro como patrimônio da humanidade, cujo enredo resgata a história do Morro da Conceição, que, próximo ao cais onde desembarcaram negros escravizados durante a colonização brasileira, recebeu como moradores parte da população de origem africana, e hoje é ainda representante da manutenção das tradições afro-brasileiras e da resistência desta população na cidade do Rio de Janeiro.



Texto colaborativo .  Heloisa Meireles Gesteira and Paula Scamparini


A noite, ou melhor, o céu do Rio de Janeiro, encontra-se em ruína. Não é mais possível, devido à poluição luminosa da atmosfera, contemplarmos a olho nu, a riqueza do céu noturno desta cidade, assim como de tantos outros lugares da Terra. Este fato mobilizou astrônomos e outros profissionais a falarem na importância de considerar o céu noturno um patrimônio da humanidade, especialmente em lugares ainda relativamente protegidos das luzes das cidades. Este não é o caso do Rio de Janeiro. Nosso céu não é patrimônio. Pode-se dizer que é, porém, produto da humanidade. Mas o que guarda o céu escuro? Há no céu, entre as culturas existentes na Terra e as que já existiram, um elemento de ligação: a capacidade de transformarmos os sinais do céu - estrelas, cometas, planetas, entre uma multiplicidade de fenômenos, inclusive a escuridão - em textos, interpretando e criando imagens e suas explicações. Destas explicações, algumas são consideradas mitológicas, outras, científicas. O que seduz na astronomia é a capacidade humana em lidar com um conhecimento que se sabe, de partida, jamais será alcançado plenamente. Sobretudo e mais determinantemente distante se torna essa possibilidade ao longo de uma vida humana. As dimensões astronômicas escalonam nossos corpos e nossas existências para fragmentos microscópicos diante do universo, nos reposicionam diante de nossas pretensões, mas não diante de nossos sonhos. Cultivamos a relação com o céu, desde o céu que adquire a certa altura teor romântico, ao céu desde sempre, aquele dos fenômenos naturais que aterrorizam povos. Se a ciência se dedica a compreender o funcionamento da natureza, pois esta nos acomete, além de não depender de nós, grande parte desta incomensurável coisa que nomeamos natureza se manifesta pelo ou em relação ao céu. Desde as temperaturas às tempestades e marés. E assim céu se torna também terra. Afinal, astros estamos apenas postos sob um astro, tal qual aqueles que observamos ao anoitecer, caso a clareza de nossas cidades nos permita. E as nuvens. As leituras do céu variam de acordo com as culturas, seja no tempo ou no espaço. Destacamos aqui, devido à história determinante da região do Valongo, onde agora nos localizamos, aquela que possibilitou aos homens transformarem o oceano atlântico em rotas, por onde, desde o século XV, percorreram embarcações em várias direções. Conhecer o céu, observar as estrelas, medir a altura dos astros por meio de instrumentos matemáticos, como o astrolábio, permitiu aos portugueses desembarcar nas terras que hoje formam o Brasil. Observando o céu, consultando tabelas e cartas de marear, desde então era possível se localizar em qualquer ponto da terra. Durante as travessias pelos oceanos, conhecer o céu, ou seja, identificar as estrelas, era importante, sobretudo quando uma embarcação situava-se no meio do mar, sem nenhum ponto fixo para auxiliar na orientação, exceto o céu pendente sobre as cabeças de marinheiros e tripulantes. De dia, o sol guia. À noite, algumas estrelas mais brilhantes tomam o lugar do sol. Caso as nuvens se interponham, porém, o barco resta à deriva. Há nuvens esta noite. Saberemos onde nos localizamos diante do universo? Funcionam nossas ferramentas? Através de quais ferramentas observamos céu hoje? Entre os primeiros registros sobre as terras tocadas pela esquadra de Cabral, há um esboço feito por Mestre João Faras do Cruzeiro do Sul: uma constelação "guia" dos navegantes europeus que ultrapassaram a linha do equador, navegando pelo hemisfério sul. Um trecho da carta enviada a D. Manuel I, rei de Portugal, a 1 de maio de 1500, de Vera Cruz, diz: “Somente mando a Vossa Alteza como estão situadas as estrelas do (sul), mas em que grau está cada uma não o pude saber, antes me parece ser impossível, no ar, tomar-se altura de nenhuma estrela, porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio balance, se erram quatro ou cinco graus, de modo que se não pode fazer, senão em terra. (...) E quase outro tanto digo das tábuas da Índia, que se não podem tomar com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se Vossa Alteza soubesse como desconcertavam todos nas polegadas, riria disto mais que do astrolábio; porque desde Lisboa até às Canárias desconcertavam uns dos outros em muitas polegadas, que uns diziam, mais que outros, três e quatro polegadas, e outro tanto desde as Canárias até às ilhas de Cabo Verde, e isto, tendo todos cuidados que o tomar fosse a uma mesma hora; de modo que mais julgavam quantas polegadas eram, pela quantidade do caminho que lhes parecia terem andado, que não o caminho pelas polegadas. Tornando, Senhor, ao propósito, estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam ao derredor sobre o horizonte, e ainda estou em dúvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o pólo antártico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes quase como as do Carro; e a estrela do pólo antártico, ou Sul, é pequena como a da Norte e muito clara, e a estrela que está em cima de toda a Cruz é muito pequena. Não quero alargar mais, para não importunar a Vossa Alteza, salvo que fico rogando a Nosso Senhor Jesus Cristo que a vida e estado de Vossa Alteza acrescente como Vossa Alteza deseja. Feita em Vera Cruz no primeiro de maio de 1500. Para o mar, melhor é dirigir-se pela altura do sol, que não por nenhuma estrela; e melhor com astrolábio, que não com quadrante nem com outro nenhum instrumento. Do criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor." (Portugal. Arquivo Nacional Torre do Tombo. Corpo Cronológico, Parte III, mç. 2, n.o 2). Do lado de cá, hoje, o desenho de tia Lucia conta em reinação a história do monstro Adamastor, que, em forma de pedra, naufragava navios portugueses, e que teria salvado muitos africanos da escravidão por abandonar em ilhas ainda não descobertas em meio ao oceano seus tripulantes do porão. Da África às Índias, contando com a sorte, outrora naufrágios teriam podido salvar destinos. Hoje, diante do céu claro do Rio de Janeiro, colocamo-nos em risco. Não sabemos de onde vimos e para onde caminhamos. Nossos guias podem colapsar a qualquer momento. E não saberemos como ler estrelas. E, ainda que saibamos, elas não necessariamente estarão visíveis. Resta cantarmos a tradição. Levantar ao céu as vozes.

série palavras

2012


︎ projeto

A série foto-instalativa Palavras (12 imagens) é realizada durante estadia em La Roche-en-Brenil, região central da França, num momento em que a crise econômica de 2012 atravessava e assustava a Europa.

La Roche, assim como muitas das vilas e pequenas cidades próximas a ela, é uma espécie de estação de veraneio para franceses, que deixam a cidade grande para um repouso em meio à natureza. É também morada fixa para poucos franceses que ali nasceram ou escolheram a vida simples do campo. Neste período casas em inúmeras vilas exibiam placas de vende-se, fixadas em paredes e portões sobre os quais o mato já avançava. A igreja, assim como as casas, permaneceu fechada por todo o período. O único negócio aberto constantemente era o café à beira da estrada, que atendia sobretudo caminhoneiros e viajantes.

As instalações de papel se dão a partir de anotações próprias, em português, e de falas dos poucos – e descrentes – habitantes locais com quem pude conversar neste período de pequenas viagens diárias de carro pela região. Formadas por fios de histórias, meus silêncios e suas falas se misturam aos cenários locais, numa espécie de busca por, ao popular cômodos, casas e caminhos, recriar a presença então vazia destes espaços que aguardavam serem habitados, talvez no próximo verão, talvez por novos visitantes ou moradores. Talvez estrangeiros falantes de outras línguas, como eu mesma.

Nas cidades ao redor, foi possível realizar instalações em um café, um igreja, uma residência-museu antes pertencente a um escritor francês, além do jardim e das árvores do Castelo onde acontecia a residência.



Fernanda Lopes
Maio, 2014


Chegou um momento em que a fotografia já parecia não fazer tanto sentido para Paula Scamparini. Cor, luz, enquadramento. Estava tudo ali, mas ainda sim parecia faltar algo naquele meio com o qual trabalhava desde 2002, sete anos antes, quando ainda estudante de arte. Talvez algo que povoasse aqueles lugares por onde a artista passava e que estavam congelados em suas imagens. Revirando seus guardados procurando nas suas próprias coisas outros caminhos, encontrou seus escritos. Escritos que sempre a acompanharam como parte do processo de construção e o imaginário dos trabalhos, mas que nunca foram vistos pela artista como uma obra em si.

O ponto de partida podia ser qualquer coisa que chamasse sua atenção, e que ia se desdobrando a partir de suas observações e associações, criando a partir de uma “tempestade de palavras”, como gosta de chamar, uma escrita fabular. As paisagens fictícias criadas em trabalhos anteriores como Sequências de nus (2006), onde linhas acidentais, como fios de cabelo no azulejo do banheiro, formavam horizontes e paisagens imaginárias, encontravam naquele momento eco e reverberavam nas linhas, agora no papel, que formavam palavras e a partir delas novas linhas-horizontes, para a produção.

O primeiro exercício de colocar as palavras no mundo foram leituras coletivas, realizadas entre 2010 e 2011. Textos escritos quando Paula se mudou para o Rio de Janeiro fazer mestrado, em 2004, foram impressos em folhas de papel e depois recortados em tiras, coladas uma depois da outra, tirando a leitura da folha de papel e levando-a para pequenos rolos, também chamados de tripas ou linhas pela artista. A leitura implicava no desenrolar dessa estrutura e depois de um tempo, passando por várias mãos, sob vários olhares, aquela linha de palavras percorria quase toda sala, e já não era mais possível saber onde aquela escrita começava. Redesenhando o espaço, esse processo também redesenhava a escrita.

As palavras, até então veículos para o pensamento, ganham presença física. Ainda presas às folhas, as tiras criam novos espaços e territórios, levantadas em alturas diferentes deram origem a Montanhas (2011) e Margens (2011); e cruzadas, como uma costura, em O castelo dos destinos cruzados (2011). Já em formato de rolos, as Penélopes se apropriam dos espaços existente, penduradas em paredes ou janelas, desenroladas sobre a mesa, ou em forma de ações em espaços abertos ou fechados.

Dentro desse processo, as experiências em residências artísticas assumem um importante papel: tirar a obra e o pensamento do conforto do espaço conhecido do ateliê em direção a uma paisagem desconhecida. Foi durante a residência no Instituto La CourDieu, no interior da França, que o interesse pela fotografia, em suspensão desde 2009 e a partir dai se apresentando como registro das ações e objetos feitos pela artista, voltou a se manifestar. Naquela paisagem europeia, inusitada, isolada, silenciosa muito distante da realidade tropical, Paula encontrou o lugar ideal para suas instalações fotográficas. Ali, sua escrita deixou de ser objeto para ser personagem, e o espaço deixou de ser real para se apresentar como cenários, lugares narrativos, fabulares, onde acontecem histórias que não existem, inventadas pela artista. Todos os livros que li, Arcadia, Les bibelots, Le curieux cabinet d’histoires: de jules a ma chere georges e Il castello dei destini incrociati (todas de 2012) são algumas delas. Ali, nas tiras de papel desenroladas, estão todas as palavras da artista. Mas ainda aqui não é possível ler, só imaginar."

Paula Scamparini. Coleção Arte e Tecnologia. Oi Futuro. Editora Circuito. RIo de Janeiro 2019